domingo, 23 de junho de 2013

Meu ponto de vista sobre as manifestações

Eu, Luiz Carlos Azenha, respondendo ao que me perguntaram aqui e ali e testando hipóteses

REVOLTA ANTICAPITALISTA?

Se fosse, os manifestantes teriam se dirigido à fábrica da Volks em São Bernardo, para cercá-la. É o símbolo do capitalismo industrial no Brasil e de onde saem os automóveis que entopem as ruas das metrópoles e inviabilizam o transporte público. Provavelmente os manifestantes teriam de enfrentar os trabalhadores da Volks, que não querem perder os próprios empregos.

Se fosse uma revolta anticapitalista, os manifestantes teriam cercado a sede do Itaú, que tem lucros bilionários graças aos juros e taxas escorchantes. Provavelmente seriam rechaçados pelos bancários, que não querem perder os próprios empregos. Uma coisa eu garanto: se a revolta se tornar anticapitalista, some do Jornal Nacional.

REVOLTA DA CLASSE MÉDIA?

O comando é da classe média urbana que tem bom acesso à internet nas regiões metropolitanas. Frações da classe trabalhadora remediada, aquela que ascendeu ao longo do governo Lula, aderiram.

O lúmpen vai no bolo. Quando ele se manifesta politicamente através do saque, é reprimido.

Parar uma rodovia estratégica, causando milhões de reais em prejuízo para o público em geral, é aceitável; invadir uma loja de automóveis e “espancar” os veículos, causando um prejuízo de alguns milhares de reais, é um horror! O que guia esta rebelião juvenil são valores da classe média e seus interesses de classe — pelo menos é o que nos quer fazer crer a mídia.

CONTRA O ESTADO?

Os ataques se concentram em prédios públicos ou obras públicas consideradas desnecessárias pelos manifestantes, como os estádios da Copa. O ex-presidente Lula, em seus dois mandatos, trouxe o debate ideológico para dentro do governo, resolvido em conchavos de bastidores a portas fechadas.

Os manifestantes agora batem na porta, de forma espontânea e desarticulada. Só acredito tratar-se de um movimento progressista quando surgir algum cartaz pedindo a taxação da fortuna da família Marinho para financiar o transporte público gratuito; quando os manifestantes se dirigirem às garagens das grandes empresas de ônibus que financiam campanhas políticas e tem lucros extraordinários para protestar; quando incluirem na pauta do debate sobre corrupção a Privataria Tucana, corruptores, empreiteiras e o jabá que a Globo paga às agências para manter o monopólio das verbas publicitárias. Por enquanto, só se debate a corrupção pública, nunca a corrupção privada.

NOSSO GUIA?

Um estudo de Sergio Amadeu demonstrou que vários perfis dos Anonymous são os mais influentes na disseminação das mensagens dos manifestantes que se organizam em redes sociais. Quem faz a cabeça dos Anonymous? A cabeça dos Anonymous é feita no Brasil ou fora do Brasil?

P2 E INFILTRADORES?

Houve várias denúncias de que infiltradores e provocadores agem em manifestações. Um grande número de despolitizados nas ruas, sem lideranças conhecidas e organizados de forma horizontal ficam sujeitos a todo o tipo de manipulação. São alvo fácil para todo tipo de agenda. Desde a dos militares que se revoltam contra a Comissão da Verdade a outros agentes interessados em criar algum tipo de instabilidade institucional.

CONJUNTURA INTERNACIONAL INDICA CONSPIRAÇÃO?

O Brasil é o pilar central de sustentação de um projeto alternativo à hegemonia completa dos Estados Unidos na América do Sul. Não fosse Lula e Dilma, o risco de uma derrota de Nicolás Maduro em recentes eleições na Venezuela teria sido muito maior. O apoio do Brasil é essencial ao Mercosul, à Unasul e a outras iniciativas de caráter regional.

Desde a ascensão de Hugo Chávez os Estados Unidos desenvolvem planos abertos — via sociedade civil — e secretos para instalar um governo que garanta acesso às maiores reservas de petróleo do mundo em condições mais vantajosas para Washington. Pelo seu tamanho, as reservas da Venezuela são o fiel da balança na determinação dos preços internacionais do petróleo. Em menor escala, o mesmo podemos dizer sobre o pré-sal. Portanto, não devemos descartar 100% a possibilidade de ação subterrânea, especialmente através das redes sociais, onde muita gente atua atrás da cortina do anonimato. O ciberespaço é hoje território de guerra. Mas, repito, não há qualquer indício, nem prova de que isso de fato esteja acontecendo.

terça-feira, 18 de junho de 2013

O que eu pretendia dizer...

Tenho o costume de guardar os cadernos de anotação que uso durante as reportagens. Faço isso pelo gosto de, anos depois, relembrar episódios da carreira. Outro dia trombei com um caderno dos tempos da Globo de São Paulo. Mais especificamente, do período eleitoral de 2006.

Como vocês devem saber, naquele período vários profissionais da emissora chegaram a se reunir com o chefe local, um sujeito tosco e sonso, para reclamar da cobertura política. Era consenso entre esses profissionais, alguns dos quais continuam na emissora, que a Globo estava mobilizando recursos para investigar escândalos ligados ao governo Lula, enquanto suprimia informações que poderiam ser comprometedoras para o PSDB e, especificamente, José Serra.

Embora eu não tenha participado da reunião mencionada acima, coube a mim a tarefa de colocar em pé uma reportagem sobre o escândalo das ambulâncias. A Globo não pagou nem mesmo para que eu ou algum outro profissional fosse a Piracicaba para ouvir personagens ligados ao caso. A tarefa coube a uma produtora, que fez o trabalho por telefone. Levantamos as informações. A reportagem foi editada.

E transmitida para o Rio de Janeiro. Os chefes paulistas aparentemente acreditavam que ela seria colocada no ar.

No caderno, rascunhei o texto:

Foi parar na gaveta. Curiosamente, foi uma das raras ocasiões em que escrevi o texto em meu caderno de anotações, antes de registrá-lo no computador da redação.

“O churrasco do fim-de-semana foi em comemoração aos 19 anos da Construtora Concivi. Só que o patrão Abel Pereira não apareceu na festa. Na casa dele, em Piracicaba, ninguém respondeu à campainha. Chamadas para o celular caem na caixa postal. Em outra construtora de Abel o funcionário diz que não sabe onde ele está.

Abel está desaparecido desde que seu nome foi citado por Luiz Antonio Vedoin, o dono da Planam. Vedoin disse que Abel era o encarregado de liberar recursos do orçamento para a compra de ambulâncias.

A Polícia Federal está examinando as anotações encontradas no dossiê preparado por Vedoin.

Nos papéis aparece a lista de prefeituras, o número das emendas dos parlamentares e o preço das ambulâncias.

Aparece também a anotação de 6,5% que segundo Vedoin era a propina paga a Abel Pereira depois que o dinheiro era liberado.

Segundo Vedoin, Abel garantia a liberação de recursos no Ministério da Saúde através do então secretário-executivo Barjas Negri.

Negri tornou-se ministro da Saúde quando José Serra se afastou para concorrer à presidência em 2002. Hoje é prefeito de Piracicaba, onde o empresário Abel Pereira tocou 35 obras públicas nos últimos dois anos. A Câmara Municipal da cidade queria investigar as concorrências vencidas pelo empresário, mas a proposta foi derrotada pelos vereadores que apóiam o prefeito Barjas Negri.

O empresário Abel e o atual prefeito de Piracicaba ainda não foram ouvidos pela Polícia Federal. Segundo a CPI das Sanguessugas a Planam forneceu 891 ambulâncias a municípios brasileiros. Setenta por cento delas foram entregues entre 2000 e 2002, período em que, segundo Vedoin, Abel Pereira atuava no Ministério da Saúde.”

Presumo que a informação crucial, que a Globo não topou transmitir ao público, estava na última frase: embora o escândalo tenha sido colocado inicialmente nas costas do governo Lula, 70% das ambulâncias superfaturadas foram entregues durante o período que a Globo eufemisticamente dizia ser o do “governo anterior”. Traduzindo, do PSDB, de Fernando Henrique Cardoso e de José Serra.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Dilma e o jovens: Não é apenas um problema de comunicação

O blogueiro Altamiro Borges costuma falar sobre a capilaridade dos grandes conglomerados de mídia do Brasil apontando para as agências de distribuição de fotos e notícias, que espalham o conteúdo gerado no Rio de Janeiro ou em São Paulo mesmo para os pequenos jornais ou emissoras de rádio do interior de Goiás ou da Amazônia.

Quando a Secom, a Secretaria de Comunicação ligada à Presidência da República, diz que mudou a distribuição de verbas publicitárias para fomentar e apoiar órgãos locais e afirma que isso contribuiu para a democratização de conteúdos, está falando uma meia verdade: isso pode até resultar na contratação de jornalistas locais, mas não garante que a pauta seja distinta da dos grandes meios, que ocupam espaço nas publicações com seus colunistas e ditam o que é ou não pauta nacional.

De minha parte, tenho escrito sobre o paradoxo da chamada “crise da mídia”. As empresas demitem jornalistas e reduzem custos ao mesmo tempo em que aumentam sua influência sobre o público através da apropriação das ferramentas disponíveis aos usuários das redes sociais.

No passado, o leitor de Arapiraca, em Alagoas, provavelmente teria de esperar o dia todo até receber sua edição de O Globo impressa no Rio de Janeiro. Agora, via Facebook, ele recebe o artigo do Merval Pereira pregando a prisão de José Dirceu disseminado pelos próprios internautas. Mais que isso, recebe o artigo recomendado por um parente ou amigo, o que acrescenta um peso — vamos dizer, “emocional” — ao conteúdo.

O poder dos conglomerados se ampliou na medida em que eles dispõem de mais recursos para disputar espaço nas redes sociais.

Surgiu, no entanto, uma inédita capacidade dos mais jovens, antenados e digitalizados, de influir na pauta nacional através da formação de redes de opinião múltiplas e não necessariamente ligadas a partidos políticos.

Como tenho dito desde o primeiro Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, a disputa agora já não é apenas pelo controle dos meios de produção de notícias, que de fato se democratizaram pelos padrões capitalistas (montar um blog e comprar uma câmera digital exige muito menos capital que o que Roberto Marinho usou para montar uma rede de TV). A disputa hoje é também sobre a capacidade de disseminar em rede conteúdos de seu interesse.

O erro do Partido dos Trabalhadores em geral e do governo Dilma em particular foi descuidar da informação na era da informação.

Lembro-me de quando Ronald Reagan, o Grande Comunicador, estava em minoria no Congresso dos Estados Unidos e decidiu falar diretamente aos eleitores, por cima dos mandatos distritais, usando para isso a visibilidade garantida ao púlpito presidencial.

Donald Regan, assessor de imagem do presidente norte-americano, bolava os eventos. Reagan desembarcava no interior do Texas e, ao lado de fardos de feno, falava sobre a política agrícola, garantindo espaço na mídia local e regional.

A presidente Dilma aparentemente não gosta de usar o púlpito para fazer política, ou seja, para contestar as versões sobre os fatos apresentadas como verdades absolutas pela mídia (como o apagão elétrico que, afinal, nunca aconteceu), para defender suas próprias ideias e influir na pauta de debates.

Com isso, perante a opinião pública, está sempre na defensiva. Ainda que o apagão tenha, afinal, se mostrado uma ficção midiática, a nova dinâmica das redes sociais disseminou fortemente a impressão de um governo acuado, sem respostas, vacilante — com implicações para a imagem de Dilma que podem ter tido algum impacto inclusive nas pesquisas de opinião.

Ossificado, o PT parece não ter entendido até agora a importância da batalha da comunicação. Em desvantagem nos espaços da grande mídia, o partido já deveria ter desenvolvido uma estrutura para produzir e disseminar conteúdos nas redes sociais.

Falo de discursos, notas oficiais e posicionamentos individuais dos parlamentares do PT, partido que dispõe ainda de um amplo corpo de técnicos e intelectuais que poderiam influir nos debates nacionais e se contrapor à pauta proposta pelas grandes redações.

É irônico que Dilma tenha sido vaiada justamente no estádio mais bonito dos que foram construídos para a Copa das Confederações e que, dizem os que estiveram lá, deveria servir de orgulho para a engenharia nacional.

O que me leva ao segundo ponto. Não se trata apenas de um problema de comunicação, mas também e principalmente de prioridades políticas.

Ao abraçar as empresas de telefonia — sejam quais forem os motivos para isso — e engavetar um Plano Nacional de Banda Larga baseado na universalidade, no investimento público e no livre acesso em praças ou pontos de encontro de jovens, o governo Dilma fechou as portas para que milhões de seus apoiadores ingressassem no mundo digital, disseminando suas ideias e opiniões nas redes sociais. A culpa é de Paulo Bernardo?

Ao abraçar os ruralistas — sejam quais forem os motivos para isso — e demolir a Funai, o governo Dilma se afastou dos indígenas, causando o desgosto de centenas de milhares de jovens internautas com grande capacidade de mobilização nas redes. A ironia suprema é que hoje a direita usa a causa indígena… para atacar um governo cujo partido principal de sustentação sempre teve compromisso histórico com os indígenas. Culpa da Gleisi Hoffmann?

Ao abraçar os fundamentalistas — sejam quais forem os motivos para isso — e cancelar campanhas de esclarecimento sobre a AIDS, além de demonstrar ambiguidade na questão do Estatuto do Nascituro, o governo Dilma perde o apoio de outro tanto de jovens militantes políticos que também são militantes digitais capazes, articulados e influentes. Culpa do Alexandre Padilha?

Ao abraçar Gulherme Afif Domingos, o vice-governador de Geraldo Alckmin, e torná-lo ministro — sejam quais forem as justificativas para isso –, além de prometer apoio federal para a repressão a um movimento social em São Paulo, o governo Dilma se distancia profundamente de sua própria base (a Juventude do PT, saibam, faz parte das manifestações). Culpa de José Eduardo Cardozo?

Notem, portanto, que não se trata apenas de um problema de comunicação.

O fato é que existe uma nova dinâmica da informação, comandada em parte por jovens inconformados, que querem mudanças.

Porém, os compromissos do governo Dilma contribuiram para alijar das redes sociais uma parcela significativa de seus apoiadores, que se encontram entre os excluídos digitais.

Além disso, deram motivo para que militantes com poder de influência multiplicassem as críticas aos rumos da coalizão cada vez mais conservadora liderada pelo PT.

É como se houvesse um choque geracional entre o mundo digital e o mundo analógico (na observação de gente como Marcelo Branco e Sergio Amadeu) — com o PT encarnando, sem reação, o papel de um governismo conservador e desatento às pressões sociais que, lá atrás, estiveram na origem do próprio partido.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Estamos no caminho certo


Tim Bernes-Lee: "Muitos países estão fazendo esforços em prol da neutralidade da rede, mas o Brasil lidera com o Marco Civil, porque ele olha a questão pelo ângulo correto, que é o dos direitos civis"

da Folha de S. Paulo, via Observatório da Imprensa, sugestão de Helen Baldi

Foi assim que o inglês Tim Berners-Lee, 57, o criador da World Wide Web, manifestou seu apoio ao projeto de lei brasileiro que pretende ser a “Constituição da internet”.

O projeto prevê a neutralidade da rede (pacotes de serviço iguais a todos os clientes e mesma velocidade de acesso a todos os sites), a privacidade a seus usuários e a liberdade de expressão online.

Berners-Lee falou com a mídia brasileira na conferência internacional WWW 2013, um dos maiores eventos de tecnologia do mundo, promovido pela primeira vez no Brasil, no Rio, nesta semana [passada]. A proposta foi colocada em consulta pública e recebeu mais de 2.300 colaborações. O projeto está pronto para ser votado, mas encontra resistência dos setores que não se sentem contemplados.

“O Brasil está liderando o mundo com seu Marco Civil da Internet, então para mim é uma honra estar aqui neste momento histórico, apoiando quem está fazendo isso.”

“Muitos países estão fazendo esforços em prol da neutralidade da rede, mas o Brasil lidera com o Marco Civil, porque ele olha a questão pelo ângulo correto, que é o dos direitos civis”, disse o físico britânico, que deu entrevista ao lado do deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ), relator do projeto de lei.

A proposta foi colocada em consulta pública e recebeu mais de 2.300 colaborações.

Ele elogiou o Comitê Gestor da Internet brasileiro, criado pelo governo para coordenar as iniciativas de serviços de internet no país: “É um grupo independente, que recebe input de diversas áreas, do governo, dos empresários e dos usuários.

Agora, aguarda votação no Congresso Nacional. “Acreditamos que o Marco Civil pode ser uma referência não só em termos de legislação de internet, mas de processo legislativo com participação popular”, disse Molon.

“Hoje em dia, a internet precisa de uma lei para garantir que ela possa continuar sendo o que foi até aqui: aberta, democrática, descentralizada, livre de barreiras e propensa à inovação”, afirmou.

O Marco Civil tem o apoio do governo e de diversos setores empresariais, mas enfrenta resistência das empresas de telecomunicação. As teles se opõem à neutralidade da rede, que impede a cobrança de tarifa diferenciada dependendo do pacote oferecido ou da velocidade de transmissão de dados – o que pode facilitar o acesso a determinados sites.

“O projeto está pronto para ser votado, mas encontra resistência dos setores que não se sentem contemplados. Ou se decide a favor do internauta, de sua privacidade e da neutralidade da rede ou a favor dos que fornecem as conexões”, disse o deputado.
O criador da WWW instou a imprensa a participar da campanha a favor do Marco Civil.

“O mundo depende da independência do jornalismo assim como da internet. É preciso explicar às pessoas por que isso é importante e pressionar o Congresso a votar, agindo na direção certa”, disse Berners-Lee.”

Meu livro!

Repórter especial da TV Record desde outubro de 2008, Luiz Carlos Azenha também é editor do blog Vi o Mundo, considerado um dos mais importantes espaços de contraponto à mídia tradicional.

Neste livro o leitor encontrará os principais posts do blog que relata os fatos políticos e sociais de maneira crítica, como você nunca poderia assistir na TV.

Quem sou?

Este blog, portanto, nasceu como uma válvula de escape. Nasceu com o subtítulo: “O que você nunca pôde ver na TV”.

Era uma forma de contar os bastidores, fazer relatos de viagem, dar informações que eu arrecadava mas não tinha como dar na TV. O Chahim me apresentou ao Kauê Linden, dono da Hostnet, que me incentivou a investir no ramo. O Kauê me levou ao Leandro Guedes, que teve a paciência de um professor para desfazer minhas dúvidas, lidar com meu analfabetismo digital e ouvir minhas diatribes contra essa tal de internet, sempre à distância: eu, em Nova York; ele, em Santo André. O Leandro me ajudou a levar o Viomundo para a Globo.com, recém-criada, onde demos muito trabalho ao Rui Cruz.

O Viomundo cresceu, mesmo, foi a partir de outubro de 2006. Eu era, então, repórter especial da TV Globo em São Paulo. Participei da cobertura da campanha eleitoral. No dia do primeiro turno eu estava diante da casa do candidato a governador de São Paulo, José Serra, quando fui procurado por um colega. Ele tinha uma gravação e se ofereceu para me mostrar. Era a gravação de uma conversa entre o delegado da Polícia Federal, Edmilson Bruno, e quatro repórteres. A gravação registrava o momento em que o delegado fazia o vazamento das famosas fotos do dinheiro que petistas supostamente usariam para comprar um dossiê contra o candidato Serra.

Àquela altura as fotos do dinheiro eram a grande notícia. Estavam na capa de dezenas de jornais brasileiros. Tinham estrelado a edição da noite anterior dos telejornais e estavam à mostra nos sites mais importantes da internet. Mas a gravação da conversa entre o delegado e os repórteres era um bastidor desconhecido da notícia. Enquanto eu ouvia a gravação, fiz anotações às pressas. Pedi para ouvir de novo. Cheguei em casa, escrevi um post e publiquei no Viomundo.

Eu achei a notícia relevante pelo fato de que o escândalo do dossiê já ocupava as manchetes por vários dias, mas as fotos só vazaram na antevéspera do primeiro turno. Foi coincidência?

No domingo de eleição, o presidente Luís Inácio Lula da Silva teve 48,61% dos votos. Faltou menos de 1,5% para se reeleger no primeiro turno. As fotos do dossiê fizeram a diferença? Impossível ter certeza disso. O fato é que, no segundo turno, elas foram parar na campanha eleitoral do candidato Geraldo Alckmin, acompanhadas da pergunta: De onde veio o dinheiro? Até hoje não sabemos.

O post que publiquei sobre a gravação, no Viomundo, foi um hit na internet. Causou mal estar na TV Globo, uma vez que a emissora tinha uma cópia da gravação mas havia decidido não divulgá-la.

Logo a gravação original se tornou pública, na íntegra. Mas os jornalistas, tão interessados em perseguir a origem do dinheiro e o escândalo do dossiê, não demonstraram o mesmo interesse em analisá-la amiúde. Algumas coisas, nela, até hoje chamam minha atenção. Ao conversar com os repórteres, o delegado Bruno age como se fosse uma espécie de editor. Diz a eles que vai mentir ao superior hierárquico. Cogita de jogar a culpa pelo vazamento na faxineira que trabalha no prédio da Polícia Federal. E se refere a uma certa “foto da Globo”. Ora, se as fotos foram tiradas no curso de uma perícia, qual seria o sentido de haver uma “foto da Globo”?

Os textos que fiz sobre o caso estão na seção Denúncias deste livro. Para melhorar a compreensão, alguns artigos foram editados, logo não são exatamente iguais aos que publiquei no site.

Desde 2006, o Viomundo passou por várias transformações. Passou a ser um portal independente, hospedado na Hostnet. Mas, por conta desse furo de reportagem, ganhou como novo foco tentar explicar aos leitores porque, no Brasil, alguns escândalos são mais escândalos que outros, algumas notícias são mais notícias que outras e algumas investigações interessam, outras não. Hoje, no Viomundo, você encontra o que não pode ler nem ver na mídia corporativa.

Ao longo destes seis anos, aprendi muito com os leitores e comentaristas do Viomundo. Foram eles que me fizeram descer do pedestal imaginário em que nós, jornalistas, muitas vezes nos colocamos. Aprendi que a internet transforma o resultado de meu trabalho de forma instantânea: assim que publico um texto e surge o primeiro comentário, o texto original ganha outra dimensão. Pela crítica, por um acréscimo de informação, por um novo ângulo oferecido pelo leitor.

É com esse espírito que eu e a infatigável Conceição Lemes, minha colega, repórter mais premiada no Brasil na área de saúde e conselheira de todas as horas, escolhemos o texto de um leitor, o Hans Bintje, como forma de agradecer a todos os que nos ajudam diariamente a fazer o Viomundo. O post em que celebramos a escolha do Rio de Janeiro – a cidade mais bonita do mundo – como sede das Olimpíadas 2016 ilustra bem isso. O Viomundo somos nós.

Paul Newman, um gentleman


Paul Newman era dono de escuderia.

Paul tinha um carinho muito especial pelo Christian. Coisa de pai para filho. O ator sempre foi muito reservado, mas a Indy parecia uma grande família. Ali ele não era o grande ator de Hollywood. Era o apaixonado por automobilismo. Gostava de se misturar aos pilotos, aos mecânicos. Parecia se sentir à vontade, sem ser incomodado como celebridade.

Cronômetro na mão, vibrava como qualquer outro dono de equipe. Conseguir uma entrevista com ele, na época, era difícil. Até hoje ele se nega a participar do que em Hollywood é chamado de “junket”. É o dia que os marqueteiros reservam para a imprensa entrevistar atores e atrizes, na véspera do lançamento de um filme.

Os jornalistas convidados recebem passagem e hotel de graça para ir até onde está o elenco. Formam fila. Cada um tem de cinco a quinze minutos, no máximo, para as entrevistas. É irritante para diretores, atores e atrizes, que respondem sempre às mesmas perguntas.

E é humilhante para repórteres, sem tempo para ter uma boa conversa. Por isso foi um privilégio conviver com Paul Newman. Tínhamos uma espécie de acerto não escrito. Eu não perguntava sobre cinema, mas podia entrevistá-lo sobre qualquer assunto relacionado a automobilismo. Por perto do Christian, Newman quebrava o gelo, virava menino e batia papo de botequim.

Paul Newman não estava ali de curioso. Pilotou em corridas profissionais e disputou as 24 Horas de Le Mans. Já setentão, escapou ileso de um acidente. Ele nasceu em Cleveland, Ohio, em janeiro de 1925. Na região há muitos apaixonados por automobilismo, provavelmente porque foi nela que se desenvolveu a indústria americana de automóveis. Ohio, Michigan, Wisconsin e Indiana: lá surgiram as primeiras pistas ovais para competição.

Depois da fama, Paul Newman passou a dedicar boa parte de seu tempo a projetos sociais. Fundou uma empresa que produz molhos para salada e macarrão com receitas que o próprio ator criou. Os produtos levam o nome dele – Newman’s Own – e a maior parte do lucro é aplicada em ações sociais. É um gentleman típico da Nova Inglaterra.

Eu não sei o motivo, mas a convivência que tive com Newman me faz lembrar do colega Paulo Francis. Morando em Nova York, eu o conheci em 1986. Já era um jornalista famoso, conhecido pelas críticas ácidas e pelas provocações que publicava na “Folha de S. Paulo”. Fui apresentado a ele por um amigo comum.

Um almoço aqui, um jantar ali, uma peça na Broadway – e eu comecei a perceber a grande distância que existia entre o personagem e a pessoa. Não havia nada de raivoso nele, nada que remotamente lembrasse o tom áspero das críticas que publicava. Era uma pessoa doce. Na tevê, nem sempre era entendido pelos telespectadores, porque escolhia assuntos complexos para comentar em um ou dois minutos.

Na época, Chico Anysio fazia um personagem imitando o Francis, que batizou de Paulo Brasilis. Certa vez, na estação rodoviária de Bauru, eu assistia ao “Jornal da Globo”. Entrou o comentário do Francis. Quando saiu do ar, um caboclo simples sentado ao meu lado comentou: “Esse Chico Anysio tem cada uma!”

Francis amava os gatos, os livros e o cinema. Ele era politicamente incorreto há vinte anos, quando ainda não era moda. Vizinho do prédio das Nações Unidas, descrevia a ONU como um tremendo cabide de empregos – o que hoje é um consenso. Francis recomendava aos amigos o Spark’s Stakehouse, a churrascaria preferida dos mafiosos. Foi diante dela, em 1985, que fiz uma de minhas primeiras reportagens como correspondente.

O assassinato do chefão da Máfia, Paul Castellano. Para o Francis, não poderia haver melhor elogio a um lugar do que a escolha dos mafiosos. “Essa italianada come bem”, dizia. Francis faz falta como referência para os novos jornalistas. Era um gentleman, feito o Paul Newman. Os dois ficaram como símbolos de autenticidade num mundo povoado por gente que não fala o que pensa ou que fala muito sem dizer nada.