Como vocês devem saber, naquele período vários profissionais da emissora chegaram a se reunir com o chefe local, um sujeito tosco e sonso, para reclamar da cobertura política. Era consenso entre esses profissionais, alguns dos quais continuam na emissora, que a Globo estava mobilizando recursos para investigar escândalos ligados ao governo Lula, enquanto suprimia informações que poderiam ser comprometedoras para o PSDB e, especificamente, José Serra.
Embora eu não tenha participado da reunião mencionada acima, coube a mim a tarefa de colocar em pé uma reportagem sobre o escândalo das ambulâncias. A Globo não pagou nem mesmo para que eu ou algum outro profissional fosse a Piracicaba para ouvir personagens ligados ao caso. A tarefa coube a uma produtora, que fez o trabalho por telefone. Levantamos as informações. A reportagem foi editada.
E transmitida para o Rio de Janeiro. Os chefes paulistas aparentemente acreditavam que ela seria colocada no ar.
No caderno, rascunhei o texto:
Foi parar na gaveta. Curiosamente, foi uma das raras ocasiões em que escrevi o texto em meu caderno de anotações, antes de registrá-lo no computador da redação.
No caderno, rascunhei o texto:
Foi parar na gaveta. Curiosamente, foi uma das raras ocasiões em que escrevi o texto em meu caderno de anotações, antes de registrá-lo no computador da redação.
“O churrasco do fim-de-semana foi em comemoração aos 19 anos da Construtora Concivi. Só que o patrão Abel Pereira não apareceu na festa. Na casa dele, em Piracicaba, ninguém respondeu à campainha. Chamadas para o celular caem na caixa postal. Em outra construtora de Abel o funcionário diz que não sabe onde ele está.
Abel está desaparecido desde que seu nome foi citado por Luiz Antonio Vedoin, o dono da Planam. Vedoin disse que Abel era o encarregado de liberar recursos do orçamento para a compra de ambulâncias.
A Polícia Federal está examinando as anotações encontradas no dossiê preparado por Vedoin.
Nos papéis aparece a lista de prefeituras, o número das emendas dos parlamentares e o preço das ambulâncias.
Aparece também a anotação de 6,5% que segundo Vedoin era a propina paga a Abel Pereira depois que o dinheiro era liberado.
Segundo Vedoin, Abel garantia a liberação de recursos no Ministério da Saúde através do então secretário-executivo Barjas Negri.
Negri tornou-se ministro da Saúde quando José Serra se afastou para concorrer à presidência em 2002. Hoje é prefeito de Piracicaba, onde o empresário Abel Pereira tocou 35 obras públicas nos últimos dois anos. A Câmara Municipal da cidade queria investigar as concorrências vencidas pelo empresário, mas a proposta foi derrotada pelos vereadores que apóiam o prefeito Barjas Negri.
O empresário Abel e o atual prefeito de Piracicaba ainda não foram ouvidos pela Polícia Federal. Segundo a CPI das Sanguessugas a Planam forneceu 891 ambulâncias a municípios brasileiros. Setenta por cento delas foram entregues entre 2000 e 2002, período em que, segundo Vedoin, Abel Pereira atuava no Ministério da Saúde.”
Presumo que a informação crucial, que a Globo não topou transmitir ao público, estava na última frase: embora o escândalo tenha sido colocado inicialmente nas costas do governo Lula, 70% das ambulâncias superfaturadas foram entregues durante o período que a Globo eufemisticamente dizia ser o do “governo anterior”. Traduzindo, do PSDB, de Fernando Henrique Cardoso e de José Serra.
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